Posso dançar para você?
- ACCS
- 27 de jul. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 2 de ago. de 2018
No dia 18 de maio de 2018, fomos convidados a participar do evento Sexta Cultural, promovido pelo CAP, no Museu da Misericórdia. Como o horário previsto não coincidia com o horário da aula da ACCS - Acessibilidade em Trânsito Poético, o professor Edu O. levou sua turma de Método de Treinamento Individual para apresentar uma performance sugerida pelo estudante Sthefferson Lima que também participa da ACCS como estagiário. Consideramos importante destacar o trânsito do nosso trabalho por diversos espaços, as relações que são estabelecidas com outros componentes e experiências de formação dos nossos estudantes e o vínculo estabelecido entre todos os envolvidos. Destacamos também a parceria com a Profª Sandra Rosa, coordenadora do GA&A - Grupo de Pesquisa e Extensão Acessibilidade & Arte, vinculado ao Núcleo de Educação Especial (Nede) do Campus I da UNEB, que nesta ocasião fez audiodescrição da ação performática.
Publicamos aqui um texto de Sthefferson sobre a proposta "Posso dançar para você?":
A Prática Reflexiva, aqui proposta, faz parte do componente Método de Treinamento Individual, do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal da Bahia, mediado pelo artista-docente, Edu O.
O que propor enquanto uma Prática Reflexiva? Por outro lado, essa pergunta poderia ser construída da seguinte forma: Qual foi a reflexão de maior importância na sua formação que possa ser compartilhada enquanto prática?
O pensamento sobre a Inclusão e Acessibilidade tem permeado o fim da graduação de um futuro artista-docente, questão essa de extrema importância na formação de qualquer ser humano, mas que no decorrer de sua formação foi completamente distante da realidade acadêmica vivida na Escola de Dança da UFBA. Não entraremos aqui em uma análise do recorte de “corpo” ou de “dança” que o curso traz, nem sobre o péssimo acesso e políticas de inclusão que a escola oferece - ou no caso, que não oferece - a pessoas que não correspondem ao “padrão” de corpo pensado pela sociedade.
Nos últimos semestres esse assunto vem sendo discutido e pensado pelo formando, em diálogo com os docentes Eduardo Oliveira e Lúcia Matos - ambos da Escola de Dança - em relação à sua prática da dança. O aluno traz isso não enquanto um recorte de uma prática específica, para pessoas com características específicas, mas sim enquanto uma forma de se pensar uma prática que possibilite um espaço de criação e reflexão, logo, de produção de conhecimento, a partir de cada sujeito, sem padrões ou formas pré-estabelecidas.
O desejo por este estudo surgiu a partir da experiência com a ACCS - Acessibilidade em Trânsito Poético - e da experiência de estágio supervisionado do componente “Prática da Dança na Educação”, onde ambos seguem em diálogo com o CAP - Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual. A experiência com os alunos do CAP trouxe uma outra perspectiva de pensamento de produção artística, no caso, em criação e formação em dança. Neste momento o aluno se deparou com seu primeiro grande e importante “problema”: como eu organizo minhas práticas e experiências de dança - completamente visuais - para alunos cegos? - no caso, dos olhos. Atualmente isso vem sendo observado e discutido pelo aluno em seu estágio, onde você poderá acompanhar futuramente os resultados. Mas voltando para o que aqui é de interesse, esse foi o ponto de partida para a criação da Prática Reflexiva proposta aos alunos do componente MTI.
Como eu compartilho uma experiência qual é de extrema importância para a formação de qualquer artista, docente e/ou ser humano? Como compartilhar algo qual não é meu lugar de fala? Como entendo minhas responsabilidades enquanto docente?
Surge enquanto possibilidade um convite do CAP em parceria com o Museu da Misericórdia, para compor a programação da 15ª Semana de Museus, com uma Dança. Isso é levado enquanto reflexão para os alunos de MTI, para entender se em enquanto coletivo isso poderia se organizar, e eles toparam. O desejo de envolver a turma neste evento, articulado a uma Prática Reflexiva, coube ao fato de não precisar dizer a eles sobre a diversidade de corpos qual estamos falando ou sobre como é importante repensarmos nossas práticas, mas sim de colocá-los em experiência e relação com essas pessoas qual a passos de formiga vem sendo inseridas nos contextos artísticos, e de forma mais abrangente, nos espaços públicos, culturais e sociais.
Partimos então da ideia de construir uma dança que se configurasse a partir de uma experiência não-visual - isso por si só já é configurado - buscando mais do que qualquer resultado estético, chegar a uma experiência coreográfica coletiva, experimental, experiencial. A estética deixou de ser o objetivo - não deixou de existir -, mas fazer a dança existir e ser enxergada com as mãos, com os sons, com as palavras, dentro de um museu, com um público majoritariamente cego, foi poder ressignificar no âmago o sentido da palavra arte, dança e criação. A experiência não era para ser vista à olhos - ela era estranha e sem sentido se enxergada por essa visão -, ela era para ser sentida, com o corpo, com a totalidade de um ser, de todos os seres.
No primeiro momento, com os alunos da UFBA, buscamos construir e experimentar uma estrutura que se organizou em três momentos: ocupar espaços, criar relações e organizar um corpo coletivo. Foi proposto um aquecimento onde buscamos explorar a não-utilização da visão em alguns momentos, tentando despertar outros sentidos do corpo em seus deslocamentos, logo após foi-se construindo coletivamente a estrutura da Dança, que resultou na performance “Posso dançar para você?”, onde buscou-se trabalhar aspectos que não gerassem uma separação entre público e “obra”, mas que convidasse o público a fazer parte da mesma. No segundo momento, houve o compartilhamento da experiência “Posso dançar para você?” com o público, no Museu da Misericórdia durante as atividades da 15ª Semana de Museus.
Mais do que qualquer significado que a proposta artística possa ter trazido, o principal objetivo da Prática Reflexiva era colocar os futuros docentes em relação com um público qual não era familiar a eles, no caso, o do deficiente visual. Para isso o entendimento de tamanha importância sobre a questão da Inclusão e Acessibilidade não poderia simplesmente se dar em palavras, mas precisava se organizar na experiência, na troca e na relação com essas pessoas. Dessa forma, a proposta por si só cumpre o objetivo da Prática Reflexiva, que era multiplicar essas questão com os alunos e futuros docentes que em breve estarão ocupando espaços artísticos e educativos, logo, repensando suas práticas e criações artística e de formação. A Inclusão e Acessibilidade ao contrário do que a grande maioria acha, é responsabilidade de todos, enquanto seres humanos, e não algo que deve ser discutida somente pelo “deficiente”. Se quisermos que seja discutida principalmente por eles, cabe também a nós artistas e educadores repensarmos nossos lugares e espaços de produções e trocas, dando abertura e acesso a todas as pessoas à esses lugares.
“É preciso esclarecer para as pessoas como um deficiente visual conhece o mundo. Nós conhecemos pelas mãos. Nela temos o entendimento de forma, cor e lugar”
Cristóvão Macedo.

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