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Houve um encontro

  • Foto do escritor: ACCS
    ACCS
  • 27 de jul. de 2018
  • 4 min de leitura

Atualizado: 2 de ago. de 2018

Por Natalia Rocha

12 de julho de 2018


Tá vendo aqui?


Primeiro dia de retorno ao CAP, primeiro dia que achei que fosse faltar. Consigo chegar, mesmo que no:


Segundo tempo.


Terceiro componente do dia, cansaço, mas toda sexta a tarde é um recarregar de bateria.


Quarto? Cama? Só mais tarde.


Cinco abraços de Dona Lourdes saudosa e eu também, grupo com cinco pessoas e duas mangueiras.


Sexto


Sétimo


Oitavo


Nono (será?) encontro que Guedes e eu nos juntamos. Nesse dia formamos uma pessoa só, corpos colados, movimentos iguais, uma orquestra, instrumentos diferentes reproduzindo a mesma nota musical, no caso corporal.


Dez minutos e revisitei o CAP com a orientação de Dona Lourdes. Conheci todas as salas, a professora de braile e durante o percurso sendo guiada, conversando, rindo e sendo cuidada.


Onze vezes fui perguntada por ela: tá vendo aqui?


E eu estava vendo, mesmo não podendo olhar.


Contrariando Saramago ao dizer que se podes olhar, vê.


Mas concordando que ao ver, reparei.


Parei, no tempo


Rei.


Por Paloma Almeida


A escrita é uma forma de expressão que manifesta tanto as carapaças da sobrevivência e do aprendizado quanto as idiossincrasias de um autor. E interpretar, ou interpretá-la, será sempre um ponto de vista, uma possibilidade do que foi ou do que pode vir a ser, um devir discurso. Assim me atrevo a refletir sobre e principalmente com as palavras de Paloma.


“Recarregar de bateria”. Com este trecho, compreendo que os encontros do ACCS com todos os participantes, estudantes da UFBA, professores e assistidos do CAP, são uma experiência de prazer e estímulo. Talvez algo pelo qual se construa sentido nas demais ações ou possíveis dificuldades e desgastes do cotidiano. Uma experiência extraordinária, ou melhor, extra do ordinário conhecido. Afinal, não é comum tantas pessoas com deficiência compartilharem ao mesmo tempo e espaço ações que pessoa sem deficiência.


Com esse compartilhamento, emergiram “Cinco abraços”, um lugar de afeto, não somente onde cria ou acontece afecção, mas onde este afetar é condutor de canais amorosos, de reconhecimento, consciente ou não, de identificação, de querer bem, de se importar com. Seria o momento de ver-se no Outro, ou ver no Outro, aquilo que almejo, ou valorizo, ou não vejo em mim. Ou, simplesmente, o afeto é criado porque ocorreu uma conexão. A presença conecta, e não há nada mais irremediável do que o convívio. Ainda que viver junto possa provocar inúmeros sentimentos, como raiva, frustação, mágoa, ódio, o afeto é inevitável, seja ele latente ou explícito.


“cinco pessoas e duas mangueiras”


“movimentos iguais”– Um olhar desierarquizado. O corpo de uma pessoa com deficiência e o de uma pessoa sem deficiência se encontram em um plano da igualdade na possibilidade de conexão entre ambos e de expressão e de movimento. A perceber que entre uma pessoa com deficiência e outra sem, às vezes, existe uma “linha abissal” que compreende que os dois habitam mundos distintos, e por isso talvez não sejam capazes de vivenciar momentos da mesma forma ou expressões iguais. Sabemos que historicamente, esses corpos foram separadaos e os que manifestavam algum tipo de deficiência eram isolados, escondidos, na tentativa de proteção, talvez para os corpos padrão, pois dessa forma não corriam o risco de encarar a sua própria precaridade, a sua condição de corpos “falhos”. Um tentativa vã de separar ou ver separadamente o que sempre esteve junto, pois, experimentavam a mesma condição, humana.


pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical por que permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha.(SANTOS, 2010).


“sendo cuidada” – um corpo sem deficiência pode ser a fonte de cuidados por um corpo com deficiência, inversão de papéis no pensamento “tradicional” e limitante quando estipula que a pessoa com deficiência necessidade sempre de um cuidado diferenciado. Por esse entendimento, ela sempre estaria no papel de cuidado, e não de pessoa que pode cuidar ou ser responsável por outra.


“E eu estava vendo, mesmo não podendo olhar.” - Que outras possibilidades de organizações ou fuções corpóreas me possibilitam ver sem olhar? O corpo, em suas inesgotáveis possibilidades de reorganizações, compensações e também funções permite criar sentido de diversas formas, de habitar, de existir, de se relacionar, sejam com pessoas, objetos, ambientes. E nesse processo, de criar sentido, ou seja, sentir, todos os sistemas corpóreos de ppercepção proporciona a criação de imagens. Um desvelar de toda a potência que cada corpo possui, seja ele em um estado padrão ou com deficiência, limitação de movimento e ainda despadronizado.


Porque continuar o trabalho com o texto de Paloma, mesmo correndo o risco de ser acusada de “marmeleira”? (o marmelo é doce afinal) Insisti porque me afetei, me afectei de uma forma que me reconheci e me instiguei a dialogar com as coisas que via no texto, as quais se assemelhavam com a forma como via a vida. Houve um encontro entre nossos discursos, produzidos por pessoas diferentes, de idades diferentes, experiências e histórias também diferentes, mas que se conectaram em pelo menos alguns pontos como iguais.


PS: Juro que não intencionava pegar o texto de Paloma!!! Já imaginava que poderia ser acusada de fazer “marmelada”. Peguei o texto sem “olhar”, o autor. Foi o Primeiro que li, e depois nem arvorei em pegar o Segundo ou Terceiro.


REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Paloma. Tá vendo aqui?. Disponível em: <https://accsdanca.wixsite.com/accs/contato>. Acesso em: 08 jul 2018.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010. 637 p.

TEIXEIRA, Carolina. Deficiência em cena. João Pessoa: Ideia, 2011


 
 
 

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